domingo, 4 de abril de 2021

A notícia da Dupla Excepcionalidade


    Tenho uma novidade para contar a todos que acompanham a Voz Neurodiversa e meus outros projetos:
Recentemente, fui identificada com Transtorno do Espectro Autista Nível I (antiga Síndrome de Asperger) e Altas Habilidades/Superdotação.
    Esta suspeita já existia há alguns anos (era compartilhada com pouquíssimas pessoas) e confesso que foi um dos principais motivos para a criação da Voz Neurodiversa (antigo Super Specialis). Como não havia uma confirmação clínica (um laudo assinado), nunca achei justo invadir um lugar de fala que, até então, não era meu, por isso, apenas organizava informações oficiais, contatos de profissionais especializados e, no máximo, escrevia textos como filósofa (pois esta é minha formação acadêmica), sempre respeitando a vivência alheia. Sinceramente, além de acreditar no conhecimento como um dos principais alicerces para a boa convivência em sociedade e de abraçar a diversidade, eu também preparava um caminho para a minha aceitação (que deveria partir não apenas dos outros, mas em primeiro lugar, de mim mesma). 
    Precisei desconstruir meu próprio capacitismo (sobre o qual eu sequer havia me dado conta) para começar a me entender, ou melhor, ver realmente quem sou. Na verdade, todos nós somos capacitistas em desconstrução e eu, assim como cada cidadão, ainda devo aprender e melhorar em muitos aspectos concernentes a isso. 
    Com a confirmação de minha condição (denominada Dupla Excepcionalidade), a partir de agora, passarei a dar depoimentos pessoais neste espaço. 
    Para começar, reproduzo a seguir a postagem escrita por minha mãe e divulgada em suas redes sociais (e também nas minhas).

Carmem Toledo
Criadora e responsável pelo projeto Voz Neurodiversa


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    "Nesta semana de Conscientização do Autismo gostaria de compartilhar com meus parentes e amigos, nossa vitória depois de uma luta por mais de vinte anos com diversos profissionais ( Neurologistas, Psicólogos e Psiquiatras), que nos pudessem esclarecer sobre a condição da Carmem, mas sempre ficamos sem respostas, daquilo que observamos desde que ela nasceu. Finalmente encontramos a resposta que já esperávamos, mas que agora foi confirmada. Peço alguns minutos de atenção para que leiam antes de tudo nossa história:

    Carmem nasceu prematura, aos 8 meses. Desde as primeiras horas de vida não aceitou o leite materno, não me olhava nos olhos, só ficava observando o contorno do meu rosto, ficava por horas acordada no berço observando detalhes do quarto. Até então achávamos que ela era "esperta e detalhista". Foi difícil acertar um leite que ela aceitasse, pois ela rejeitava todos.
    Quando começou a falar só repetia palavras e frases que ouvia (Ecolalia) e a partir de 2 anos de idade começou a falar com um português tão correto e um vocabulário tão avançado que chamava a atenção das pessoas. Mas quando tentávamos dizer isso a alguém, se ofendiam porque achavam que isso era pedantismo.
    Ela começou a identificar e ler letras com 1 ano e 6 meses e quando a levávamos ao Shopping se encantava com os logotipos das lojas e ignorava tudo à sua volta. Com 3 anos lia fluentemente sem ter recebido instruções e sem estar na escola. Mas para o pediatra isso " não era nada" e até mesmo quando ela mesma depois de adulta, tentou relatar isso a profissionais , riram na cara dela e disseram "isso não quer dizer nada". E quando ela comentava com alguém não acreditavam, até que ela passou a omitir. Hoje sabemos que o nome dessa leitura precoce é Hiperlexia.
    Sempre teve hiperfocos ( dedicação extrema a assuntos específicos) muito intensos a ponto de se esquecer até de ir ao banheiro quando se dedicava a eles, além de esgotar a paciência das pessoas de tanto repetir o assunto (quem conhece bem a Carmem deve ter se tornado especialista só de ouvi-la falar tanto em: Tintin, TV Cultura, Língua Portuguesa, Marisa Orth, Banda Vexame, Teatro, Arte de Protesto durante a Ditadura Militar, Chico Buarque, Rousseau, Sophia Loren, Dalida, Dança Cigana, neurodiversidade, etc, etc...).
    Ao mesmo tempo Carmem sempre teve muita dificuldade de socialização, quando era bem pequena não interagia com as crianças de sua idade e depois, por incentivo nosso, tentava socializar tocando nos assuntos dos hiperfocos, geralmente queria brincar sempre das mesmas coisas e na escola sofria bullying (como sofreu até a vida adulta, em todas as escolas e até mesmo na USP) . À medida que ela crescia ia se diferenciando cada vez mais das outras crianças. O esforço dela para pertencer aos grupos aumentava cada vez mais, ela foi aprendendo a se camuflar (algo comum principalmente em mulheres) e isso sempre causou (como ainda causa) esgotamento mental. É por isso que muitas vezes ela de repente se retira dos lugares, para de frequentar e some até da internet de tempos em tempos. E também é por isso que (como pouca gente sabe) muitas vezes depois de uma festa ou muita socialização ela chega em casa e tem crises de choro, agitação ou até de raiva. Ela até chegou a dividir isso com raras pessoas, mas teve quem achasse que era ela que tinha que "se esforçar mais " ou até que "não era problema dele".
    Ela nunca conseguiu sair sozinha, e quando fez isso por um período (de 2008 a 2010), quase era atropelada e se sentia atordoada pelos estímulos (carros, motos, pessoas, barulho etc). Mas também teve professor que a criticou pelas costas , num dos cursos de interpretação que Carmem fez, porque ela "com 18 anos ainda andava com a mãe " , ao invés de valorizá-la por ser uma boa atriz e na maioria das vezes ser a única a ler, conhecer e entender as obras propostas no curso.
    Certos cheiros que para os outros são até bons a incomodam muito a ponto dela passar mal, mas ela também aprendeu a se calar sobre isso porque para as outras pessoas era "frescura ".
    Enfim são apenas alguns detalhes que quero compartilhar como alerta de sinais que devem ser levados a profissionais que entendem de desenvolvimento. Nós tivemos o privilégio de encontrar e agora a Carmem encontrou sua identidade, eu e meu marido Edson estamos mais tranquilos e aprendendo depois de quase 36 anos a conhecer nossa filha.
    No mês de fevereiro de 2021, por intermédio de minha prima Rosana Leh Dias, conhecemos Simone Alli Chair da Associação de Pais Inspirare, que nos apresentou à Prof. Dra. Maria Rita Polo Gascón, que depois de conversar comigo por mais de uma hora e meia, fez vários testes com a Carmem e depois de uma cuidadosa análise chegou ao laudo:

    --> Dupla Excepcionalidade:
    Síndrome de Asperger (Autismo Nível 1) e Superdotação intelectual.
    Segundo os testes o Quoeficiente de Inteligência total da Carmem está no percentil 99%, ou seja, o funcionamento cognitivo dela é maior que 99% da população mundial testada, o que significa que ela pertence a 1% da população de mais alto QI. O QI verbal é ainda mais alto, no percentil >99,9%, ou seja, está entre menos de 0,1% da população . O QI de execução está no percentil 87 (esta diferença grande entre QI verbal e de execução é comum nos casos de Asperger).

    Um detalhe importante é que nós recebemos a notícia justo no Dia Internacional da Mulher, e bem quando a Revista Claudia publicou uma matéria sobre cada vez mais frequente diagnóstico de autismo em mulheres com mais de 30 anos . Recomendo a todos que leiam: https://claudia.abril.com.br/saude/autismo-mulheres-diagnostico/?fbclid=IwAR1WtlSEU5e-ra9bzoIInfhCrgIFSuvgd06qQozbqbaHXGR0LCXv55XtmYw

    Agora Carmem já está sendo acompanhada por uma Neuropsicóloga especializada na área, Verônica Bleinroth, que também foi apresentada pela Simone e vem a atendendo com muita dedicação.
É importante dizer que Autismo não é doença e sim um transtorno do neurodesenvolvimento, algo genético que faz parte (e sempre fará) de quem a Carmem é.
A Superdotação intelectual (Altas Habilidades/Superdotação) é uma outra condição que a Carmem também tem, que é protegida por lei apesar de poucos saberem disso.

    Também acho importante repetir mais uma vez algo que sempre compartilhei sobre a Carmem, que é o projeto Voz Neurodiversa http://vozneurodiversa.blogspot.com , que ela criou em 2014 para divulgar informações sobre Autismo, Superdotação e outras condições, com o objetivo de acabar com preconceitos. Ela explica muito bem várias coisas na página do projeto, dá sugestões de leitura (livros, teses, dissertações e artigos acadêmicos) sobre esses assuntos, organizou listas de profissionais especializados nessa área... Tudo com a esperança de acabar com o capacitismo e das pessoas passarem a achar que "tudo é problema de todos".

    Depois de narrar nossa vitória tenho que agradecer algumas pessoas como:
Rosana Leh Dias , Simone Alli Chair (Associação de Pais Inspirare), as neuropsicólogas Prof. Dra. Maria Rita Gascón , Verônica Bleinroth.

    Aos amigos e familiares que sempre se fizeram presentes nos dando força para continuarmos na nossa luta:
    Guiomar e Denys Vojnovskis , Elaine Toledo Donega e Eliseu Donega , Marcelo Bonavides , Vitor Fadul, Ciça Manzano , Patricia Costa , Guilherme Uzeda , Fernando Uzeda , Fernando Salem , Vicentini Gomez , Simone Pierri , Sérgio Cóz , Luiz Buffone , Lady Agatha Daae , Karin Gama Rocha e Rai Gama , Ana Jalloul e Ricardo Cardoso , Renata Favero Rampaso e Neusa Favero , Maria Lúcia Picholaro (in memorian), Mônica Cestari , Maria Helena Rodrigues Ramos , Sonia Regina Micocci , entre outros.

    Muito obrigada a todos!"

Irene G. R. Toledo
Edson de Toledo

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Saibam mais, lendo o seguinte artigo, onde explico detalhes importantes sobre as duas condições e abordo o processo diagnóstico. No final da postagem, disponibilizo links onde podem ser buscadas informações preciosas para que dúvidas sejam sanadas, além de contatos de associações e profissionais que podem oferecer auxílio: 



Autoria

"Voz Neurodiversa" (vozneurodiversa.blogspot.com) é de autoria de Carmem Toledo. Está proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo aqui publicado, inclusive dos disponibilizados através de links aqui presentes. A mesma observação se estende a todos os blogs e páginas da autora ("Culturofagia", "O Caminhante Solitário", "Sophia... Ieri, Oggi, Domani") e toda e qualquer criação, seja em forma de texto ou ilustração, por ela assinada.